Ameaças anónimas, mesmo que escondidas com o rabo de fora, são habituais. Fazem, aliás, parte da galeria de troféus de qualquer jornalista que teime, como é o caso aqui no Folha 8, em dar voz a quem a não tem. Mas o regime está a ir mais longe. Já faz ameaças concretas também Portugal.
Por Norberto Hossi
Por mail e por sms, mas também através de operacionais no terreno, elementos afectos à Procuradoria-Geral da República e ao Serviço de Investigação Criminal fazem de Portugal uma coutada, mostrando com aparente impunidade uma noção de democracia e de Estado de Direito similar à da Coreia do Norte.
As autoridades portuguesas garantem, contudo, que esses “cidadãos estão, ou passam, por Portugal como qualquer outro cidadão angolano, não podendo exercer qualquer tipo de investigação ou acto similar que não seja através das instituições portuguesas e cumprindo os trâmites legais”.
Como se sabe, isso não os impediu de “interrogar”, em Lisboa, Alberto Neto em relação à detenção – em Luanda – dos jovens activistas.
“Não se tratou de um interrogatório formal, mas apenas de uma conversa voluntária entre Alberto Neto e os senhores Luciano Chaca, vice-procurador-geral da República, e João Pedro, responsável pela operação de detenção dos jovens em Luanda, pelo que não teve, não tem, nem terá qualquer validade jurídica”, afirmou ao Folha 8 fonte ligada ao Ministério Púbico português, acrescentando que as “autoridades portuguesas” acompanharam “necessariamente” este caso.
Certamente para rentabilizar a ida a Portugal, o staff do regime aproveitou para recolher informações pormenorizadas sobre moradas e locais frequentados por alguns dos colaboradores do Folha 8, estendendo a “investigação” também à zona do Porto. Esta informação foi-nos confirmada por fontes ligadas à Embaixada de Angola, em Lisboa, e aos serviços portugueses de informação.
Bem vistas as coisa, nada disto é novo. Sabemos, aliás, que o regime já elaborou um plano e já estão contratados os assassinos, para eliminar sem deixar rastos, pelo menos dois jornalistas do F8.
“Como eles não querem vender o órgão, vamos acabar com a cabeça, para imobilizar o corpo todo, pois continuam a fazer estragos na imagem do camarada Presidente e do governo”, lê-se num informe dos Serviços de Inteligência.
Os visados neste plano macabro agendado para este ano, são os habituais, nomeadamente, o nosso director, William Tonet “pela rudeza dos escritos, no seu jornal, onde não falta a regularidade de publicação de segredos do Estado, calúnia e difamação, contra o camarada Presidente José Eduardo dos Santos, sua família e dirigentes do partido, o MPLA, e membros do governo”, justificam, no documento considerado “secreto”, os algozes da Segurança.
Recorde-se que a UGP (Unidade da Guarda Presidencial), exército reconhecidamente privado e ilegal à luz de um Estado de Direito, de José Eduardo dos Santos, falhou o assassinato de William Tonet com o “abalroamento” da sua viatura no dia 29 de Setembro de 2013, na zona do Morro Bento, em Luanda.
O plano de limpeza subiu de nível após publicação de uma entrevista concedida ao Semanário Crime, onde William Tonet abordou com frontalidade questões do 27 de Maio de 1977, revelando pela primeira vez, que Angola ganharia mais caso se tivesse efectivado um golpe de Estado, liderado por Nito Alves.
Considerou, também, danosa a gestão e consolado do actual Titular do Poder Executivo, José Eduardo dos Santos, à época coordenador da Comissão de Inquérito, que não ouviu nenhum dos acusados.
O segundo é o jornalista, Orlando Castro – Chefe de Redacção -, acusado de dar vazão ao clamor dos cidadãos de Cabinda, logo promotor da tese independentista, para além de ser visto “como mentor de textos subversivos e atentatórios da dignidade do Presidente da República, enquadráveis nos crimes contra a segurança do Estado”.
O regime volta a enganar-se. Estamos, aliás, convictos de que só a verdade pode curar, por muito dolorosa que seja. Não somos, corrobore-se, responsáveis pelo facto de o Presidente José Eduardo dos Santos preferir ser assassinado pelo elogio do que salvo pela crítica.
Os assassinos, que nos ameaçam matar e atirar aos jacarés em 2015, andam por aqui e por outros lados. Nesta altura estão, aliás, muito activos em Portugal. Mas se por cá não é possível contar com a ajuda das autoridades pois, de facto, elas são parte activa no plano, em Portugal a situação é diferente e os passos dos algozes são também acompanhados.
Como o nosso compromisso sagrado é, reiteramos, apenas com o que pensamos ser a verdade, a luta é contínua e a (nossa) vitória será certa, na democracia real, mesmo que alguns tombem pelo caminho. Talvez de derrota em derrota até à vitória final.
Recordemos agora e sempre Frei João Domingos quando afirmou que os políticos e governantes angolanos só estão preocupados com os seus interesses, das suas famílias e dos seus mais próximos.
“Não nos podemos calar mesmo que nos custe a vida”, disse Frei João Domingos, acrescentando “que muitos governantes que têm grandes carros, numerosas amantes, muita riqueza roubada ao povo, são aparentemente reluzentes mas estão podres por dentro”.
Por tudo isso, Frei João Domingos sempre chamou a atenção dos angolanos, de todos os angolanos, para não se calarem, para “que continuem a falar e a denunciar as injustiças, para que este país seja diferente”.
Tendo em conta a crise de valores em que o país se encontra, Frei João Domingos sempre recomendou aos angolanos sem excepção para que pratiquem os valores que Jesus Cristo recomenda: solidariedade, justiça, amor, honestidade, dedicação ao outro, seriedade, paz, a vida, etc.
“O Povo sofre e passa fome. Os países valem pelas pessoas e não pelos diamantes, petróleo e outras riquezas”, dizia também Frei João Domingos.
O nosso país continua a ser palco de violações dos direitos humanos, nomeadamente contra todos aqueles que se atrevem a pensar de forma diferente do que está estabelecido pelo regime.
São muitos os relatos de violência, intimidação, assédio e detenções por agentes do Estado de indivíduos alegadamente envolvidos em crimes contra a segurança do Estado, ou seja, que pensam de forma diferente.
Por tudo isto, o Folha 8 continua de pé perante os donos do poder em Angola, aceitando – eventualmente – ficar de joelhos apenas perante Deus. É claro que, segundo o regime, José Eduardo dos Santos é um “deus”, mas perante esse e os seus capangas estaremos sempre de pé, por muitas e graves que sejam as ameaças.